Quando o futuro já existia há mais de cinco mil anos
- André Mafra
- 5 de set.
- 4 min de leitura
Entre vestígios silenciosos, o sítio arqueológico de Rakhígharí na Índia, sussurra que o passado pode ser tão avançado quanto o futuro que imaginamos.
Desde meus primeiros contatos com a história e a cultura indianas, carregava a curiosidade de visitar as ruínas da antiga Civilização Harappiana, também chamada Civilização do Vale do Indo. Seus sítios arqueológicos mais conhecidos são Harappa e Mohenjo-Daro, ambos no atual Paquistão. Mas a complexidade geopolítica da região sempre afastou de mim essa tão sonhada viagem. Assim, a alternativa mais viável era explorar os museus da própria Índia — destino mais acessível e que, de algum modo, poderia saciar minha curiosidade.

Potes e vasos, foto do autor, Rakhígharí, Índia, janeiro 2025
Foi durante uma visita ao acervo do Museu Nacional em Delhi que me deparei com uma das peças mais importantes do local: o esqueleto de uma mulher drávida, encontrado em Rakhígharí. Eu já conhecia nomes como Harappa, Mohenjo-Daro, Dholavira e Lothal, mas Rakhígharí jamais havia estado no meu radar. Ao pesquisar, descobri que o sítio ficava na Índia, a poucas horas da capital, o que tornava a visita possível já que tinha na programação daquele começo de ano uma viagem para a Índia junto com as viajantes e também professoras do DeRose Method, Fernanda Neis e Terezinha Dias,
Antes de ir, tive contato com o trabalho da jovem arqueóloga Disha Ahluwalia (vale a pena seguir @dishaahluwalia no Instagram), que vem revelando os novos achados de Rakhígharí reforçando a Índia como berço de um dos sítios arqueológicos mais importantes do Neolítico.
Saímos cedo de Delhi em uma jornada de quatro horas — menos de 150 km de distância. Por volta das 10h30 da manhã chegamos a um pequeno vilarejo de construções simples e vida rural. Não pude evitar o pensamento: talvez, há cinco mil anos, os habitantes dali desfrutassem de melhores condições do que os moradores atuais.
Fomos recebidos pela arqueóloga Garima Tiwari, que nos ofereceu uma verdadeira aula enquanto caminhávamos pelo vasto sítio de mais de 500 hectares. Ela destacou que Mohenjo-Daro e Harappa representam o coração de uma civilização grandiosa, e que o próprio nome "Índia" deriva do rio Indo, em cuja bacia floresceu a Civilização Harappiana. Ela ressaltou que trabalhar em campo, em contato direto com os objetos, é muito diferente de observar peças atrás de vitrines em museus. Ao final, ainda fomos convidados a almoçar no acampamento e gravamos uma entrevista com Garima.
A relevância do sítio arqueológico de Rakhígharí
Para Garima, todos os sítios da Civilização Harappiana têm importância, mas Rakhígharíocupa um lugar especial por permitir o contato direto com peças de valor inestimável. Profissões como arquitetos, engenheiros, artesãos e ceramistas — tão familiares a nós — têm raízes nessas sociedades sedentárias do Neolítico.
As escavações mais recentes revelaram estruturas de tijolos de barro secos ao sol, típicos de Rakhígharí, que ajudavam a manter as casas frescas no verão e aquecidas no inverno. Tijolos cozidos eram reservados para obras de contenção de água, tornando-as impermeáveis. O sistema sanitário também impressiona: uma intrincada rede de esgotos e canais de distribuição de água, sofisticadíssima para algo erguido há 5 ou 6 milênios.

Outro destaque é a padronização de pesos e medidas e a precisão nas proporções dos tijolos, o que garantia construções sólidas. Um muro de mais de um metro de largura, revelado nas escavações, mostra o grau de planejamento urbano. Foram encontradas ainda contas de lápis-lazúli vindas do atual Afeganistão e fios de seda usados em adornos, indicando intensa rede comercial que incluía a China.
Uma sociedade pacífica de tradição matriarcal
Entre os aspectos mais fascinantes está a ausência de grandes templos ou construções ligadas a sacerdotes e soberanos. Isso reforça a ideia de uma sociedade igualitária, com crenças e ritos muito distintos dos que estamos acostumados a imaginar.

Em Harappa e Mohenjo-Daro, por exemplo, foram encontrados símbolos de veneração à Deusa Mãe, representando respeito à mulher, devoção à natureza e culto à fertilidade. Quando perguntamos a Garima se Rakhigarhi poderia ter sido uma sociedade não-guerreira, ela lembrou que não há muitos vestígios de armas ou artefatos bélicos, o que sugere que esse povo não se inclinava para a guerra.
Olhar para o futuro nos inspirando no passado

Rakhigarhi se impõe como um marco da arqueologia indiana, ampliando o legado da Civilização Harappiana para além dos famosos sítios hoje no Paquistão. Mais do que isso, provoca uma reflexão: costumamos acreditar que vivemos na era mais avançada da humanidade, mas há cinco ou seis mil anos já existiam cidades planejadas, sistemas de água e saneamento, comércio internacional e sociedades organizadas de forma sofisticada. Havia também outras formas de criar os filhos, de gerir os afetos e de distribuir recursos, em modelos mais igualitários. Talvez a verdadeira pergunta não seja apenas o quanto evoluímos desde então, mas também o que deixamos para trás no caminho.
Por André Mafra
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